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TRAUMA E DISSOCIAÇÃO: O MODELO “EFEITO CHICOTE” (WHIPLASH) Robert Scaer

TRAUMA E DISSOCIAÇÃO: O MODELO “EFEITO CHICOTE” (WHIPLASH)

Robert Scaer

Previamente apresentamos a hipótese que a Síndrome do “Efeito chicote” (Whiplash Syndrome) constitui um modelo de traumatização em lugar de um dano físico, e que muitos de seus sintomas e manifestações clínicas são, na realidade, respostas universais frente a uma ameaça de vida num estado de desamparo (Scaer, 1997, 1999, 2001). Esta hipótese surgiu baseada na ocorrência de dissociação na hora de acidentes de automóvel (MVA. motor vehicle accident) com sintomas de entorpecimento e de um estado alterado de consciência freqüentemente atribuídos à concussão pela batida. Podemos compreender os sintomas clínicos subseqüentes nos baseando em teorias de como acontece à ativação cíclica límbica (kindling) no desenvolvimento do ciclo de ativação da memória no TSPT (Goddard, et al, 1969, Post, Weiss & Smith, 1995, Miller, 1997).

Em experimentos com ratos, "kindling" é o nome dado ao fenômeno do desenvolvimento progressivo de circuitos neurais auto-perpetuados, produzidos por uma estimulação cerebral elétrica regional, com tempo e freqüência repetitivos (Goddard, et al, 1969). A expressão comportamental da “ativação cíclica” (kindling) pode incluir convulsões epilépticas, mas também é considerado mais amplamente como um modelo para várias síndromes clínicas, inclusive TSPT.

Os caminhos neurais envolvidos no processo de aquisição desta resposta fisiológica de “ativação cíclica” diante da ameaça, provavelmente englobam uma série de eventos envolvendo primariamente o locus coeruleus, a amígdala, o tálamo, hipocampo e o córtex órbito-frontal direito (van der Kolk, 1994). Estímulos excitatorios partindo de uma variedade de órgãos sensórios, especialmente da cabeça e do pescoço, são transmitidos ao tálamo e locus coeruleus O locus coeruleus então se comunica com o tálamo e a amígdala, que avalia esta informação pelo seu conteúdo emocional. A amígdala transmite esta informação ao hipocampo, centro da memória declarativa, que estabelece um contexto cognitivo para a informação. Estes dados são depois transmitidos para o córtex órbito-frontal direito (COF), que organiza a resposta cortical e autonômica apropriada, baseado nas implicações da informação sensória para a sobrevivência. O COF funciona como um mestre regulador para a organização da resposta do cérebro diante da ameaça. O desenvolvimento inadequado do COF, decorrente de uma experiência maladaptativa infantil ou de lesões cerebrais, pode resultar numa modulação defeituosa desta resposta à ativação (Schore, 1994).
Um controle regulador adicional é fornecido pelo córtex cingulado anterior, um centro que, enviando um sinal inibitório à amígdala, pode prover uma função de controle e inibir o condicionamento de medo (Morgan, et al, 1995). Por meio de uma intensa descarga adrenérgica deflagrada quando há um forte estímulo ativador, o locus coeruleus inibe o córtex cingulado anterior e o COF, inibindo assim a função de controle e modulação destes dois centros. Isto por sua vez permitiria a exposição da amígdala a sinais intensos de ativação interna e externa, promovendo a “ativação cíclica” (kindling) de caminhos que produzem a síndrome clínica de TSPT (Hamner, 1999).

A dissociação na hora do trauma é o sinal primário do desenvolvimento posterior de TSPT (van der Kolk & van der Hart, 1989). Indivíduos que ativamente dissociam na hora de um evento traumático são muito mais propensos a desenvolver sintomas subseqüentes de TSPT do que aqueles que não dissociam (Bremner, et al,1992, Holen, 1993, Cardena & Spiegel, 1993). As crianças são especialmente propensas a dissociar na hora de uma experiência traumática, por isso pessoas com uma história de traumas passados, especialmente abusos na infância, são mais suscetíveis a ativação, congelamento e re-traumatização depois de expostas até mesmo a ativações não especificamente traumáticas (Kolb, 1987).

Na hipótese de "efeito chicote" (whiplash), a recuperação espontânea da dissociação, ou congelamento / imobilidade no momento de impacto traumático freqüentemente não acontece, baseado na premissa que envolvimento em um MVA é por sua própria natureza, um modelo de desamparo. A possibilidade de ocorrer dissociação será muito maior se houver uma história anterior de trauma e dissociação. Este estado alterado da memória, da percepção e da função autônoma, pode potencializar a ativação cíclica (kindling) entre os centros da memória e da ativação (amígdala, hipocampo, locus coeruleus) que descrevemos acima. O “looping” de ativação cíclica resultante, auto-gerado e auto-mantido, servirá então como substrato para o desenvolvimento do TSPT clínico.

De um ponto de vista somático, a memória de procedimento ou condicionada por estímulos sensoriais e as respostas motoras aos eventos físicos associados com o acidente, também serão incorporados nessa resposta de ativação cíclica do trauma. Num evento de grande ativação e ameaça, pode ser necessária apenas uma experiência para que a resposta condicionada se estabeleça. Assim experiências vestibulares, oculares e sensório-motoras do acidente serão impressas na memória de procedimento através do condicionamento traumático operante. Então estas percepções serão subseqüentemente eliciadas de forma exata por lembranças, flash-backs, pesadelos, assim como também por sinais internos e externos reminescentes do MVA. Todos os elementos da síndrome de pós-concussão - vertigem, obscurecimento da visão, zumbido, dor de cabeça, dor miofascial - passam a ser sintomas precipitados por sinais e estímulos baseados em memórias, e eventualmente por uma gama cada vez mais ampla de eventos não específicos baseados na ativação. A dor miofascial provavelmente representa uma memória de procedimento do reflexo motor defensivo específico e do correspondente padrão proprioceptivo, que foram precipitados pelo movimento do corpo no MVA, e depois passam a ser eliciados pelo estresse ou por qualquer padrão de movimento reminescente do acidente, na forma de tensão e espasmo muscular. Disfunções cognitivas podem aparecer e piorar, tal como já foi bem documentado quanto aos déficits de atenção e memória na Dissociação e TSPT (Gill, et al, 1990, Alexander, 1992, Miller, 1992, Bremner, et al, 1993, Grigsby, et al, 1995). Nenhum destes sintomas, de ordens diversas, requerem que ocorra lesão no tecido para vir a acontecer.
Esta hipótese depende da ocorrência de dissociação, contribuindo com uma resposta não resolvida de congelamento, como resultado de uma ameaça de vida em condições de desamparo. A ativação cíclica (kindling) resultante, incorporaria então não apenas os centros de memória e ativação acima mencionados, como também os centros que provêem a informação sensória do MVA (visual, audítiva, vestibular, e receptores sensórios proprioceptivos), e os centros motores que organizaram a resposta defensiva (cerebelo, tronco encefálico, ganglio basal, córtex motor). A ativação cíclica (kindling) e a dissociação explicariam a preocupante tendência dos sintomas da “Síndrome do chicote” (whiplash) a serem resistentes à maioria das formas de terapia física, a persistirem indefinidamente em muitos casos e a piorar dramaticamente em situações de vida estressantes. A proposta também incorpora os sintomas somáticos às teorias básicas de TSPT e dissociação, levando a uma definição somática da dissociação, que é o tema central deste artigo.

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